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quinta-feira, 21 de março de 2013

Fundação dos Idiomas



Segundo os antigos mexicanos, a história é outra.
Eles contaram que a montanha Chicomóztoc, erguida onde o mar se partia em duas metades, tinha sete grutas em suas entranhas.
Em cada uma das grutas reinava um deus.
Com terra das sete grutas, e sangue dos sete deuses, foram amassados os primeiros povos nascidos no México.
Devagarinho, pouco a pouco, os povos foram brotando das bocas da montanha.
Cada povo fala, até hoje, a língua do deus que o criou.
Por isso as línguas são sagradas, e são diversas as músicas do dizer.

Eduardo Galenao - Espelhos



É curioso perceber o papel da língua nas várias explicações sobre a gênese da humanidade.
Será apenas coincidência?
Será que o verbo está ai, como simbolo de divindade, por acaso?
No início era o verbo...

Boa reflexão.

Saudações cordiais,
O Estudante.



domingo, 11 de novembro de 2012

Fragmentos


Ouvi certa vez da boca do Doutor que na vida, para que valesse a pena a passagem, era preciso fazer das pequenas notas uma bela sinfonia. Ele disse aquilo inspirado no Deleuze. Pouco tempo depois inaugurei este espaço.
Em minhas leituras e buscas, aleatórias e rizomáticas, encontrei Eduardo Galeano. Topei com ele na revistaria do TIP em recife. De lá pra cá tenho me reinventado através das Histórias e Estórias contadas em forma de fragmentos, verdadeiras notas que se transformam nas mais belas sinfonias que uma página pode contar. Abraços, Bocas, Filhos, Espelhos, Tempo, Mundo e Avesso.
Cada um cheio de pequenos presentes.

Aprendi que existiu uma tribo na Terra do Fogo. E que nos tempos idos os Onas adoravam vários deuses. O deus supremo se chamava Pemaulk.
Pemaulk significa palavra.

Aprendi dos Maias, mais precisamente de uma comunidade Tojolabal, um cumprimento mais humano.
-Eu sou outro você.
-Você é outro eu.

Aprendi que hierarquia e disciplina não são o que parecem ser.
Aprendi a duvidar ainda mais das minhas quase inexistentes certezas.
Aprendi a ser mais humano e menos civilizado.

A música reverbera com mais intensidade.
As cores pedem cada dia mais atenção.
O tempo passa e enxergo mais.

A alegria e a tristeza trespassam meu corpo.
Me regojizo com a vida.
Não sou mais triste nem alegrinho.
Estou aprendendo a me fazer e desfazer.

Inspirado na aranha que tece sua trama a despeito do vento.

Saudações Cordiais,
O Estudante.




terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Arquivo - Victor Giudice

Tive oportunidade de conhecer o autor, através de um trabalho acadêmico na disciplina Hermenêutica Jurídica.
Encontrei o conto no livro: Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século - Organizado por Italo Moriconi

 Escolhi trabalhar com O Arquivo de Victor Giudice primeiro por empatia com a maneira sublime e o estilo utilizado na composição de seus versos.  Segundo por encontrar na sua história elementos que levam a crer que o poeta ora comentado foi um daqueles que lutou contra a ditadura mesmo estando dentro do sistema.

Victor Marino del Giudice nasceu em Niterói, no dia 14 de fevereiro de 1934 e morreu em 22 de novembro de 1997, viveu durante um período de mudança no cenário político nacional, o período da ditadura militar (1964-1985), e viu o povo ir às ruas em busca de liberdade, em busca de justiça. 

Giudice aborda a temática da coisificação do homem no ambiente laboral. Com maestria e singularidade segue pela corrente contrária, levando consigo o leitor que acompanha a vida de joão, funcionário modelo, como se seu objetivo maior fosse servir à empresa até extinguir-se. 

Boa leitura e reflexão.

Saudações cordiais,
O Estudante





No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos. joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego.
Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.
Respirou descompassado.
- Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
- Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.
O coração parava.
- Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
- De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa.
Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada.
Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência.
A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho.
Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:
- Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:
- Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer
minha aposentadoria.
O chefe não compreendeu:
- Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
joão transformou-se num arquivo de metal.




sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Manifesto - Só a leitura salva




Não tive a oportunidade de conhecer o pessoal responsável pela elaboração do manifesto, mas a partir de agora tentarei acompanhar trabalhos desta natureza.

Acredito, como já disse em outros posts e em respostas à comentários, que as pessoas que buscam o conhecimento tem obrigação moral de apresentar aos seus semelhantes outras formas de pensamento, outros valores ou ideias. 
É imprescindível para a melhoria da condição de vida da nossa espécie, que tenhamos mais leitura, mas tão importante quanto a leitura é estimular outras formas de inteligência. Através da música, do teatro e da pintura estimulamos áreas do nosso cérebro tão importantes como à da leitura. Quanto mais estímulo à plasticidade de nossa inteligência, mais possibilidades teremos de encontrar potencial e futuros "gênios".

Eu comecei contaminando os hábitos dos mais próximos.
Você vai contribuir com o quê?

Boa reflexão.
Saudações cordiais,
O Estudante

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Pater noster - Jacques Prévert





Pai nosso que estás nos céus
Neles permanecei
E nós ficaremos na Terra
Que às vezes é tão bonita
Com seus mistérios de Nova York
E então seus mistérios de Paris
Que valem bem os da Trindade
Com o seu pequeno canal de Ourcq
Sua grande muralha da China
Seu rio de Morlaix
Suas bobagens de Cambrai
Com seu Oceano Pacífico
E suas duas bacias de Tulherias
Com suas crianças boas e seus indivíduos maus 
Com todas as maravilhas do mundo
Que estão lá
Simplesmente na terra
Oferecidas à todos
Espalhadas
Maravilhadas elas mesmas em ser tais maravilhas
E que não se atrevem a admitir
Como uma bela moça nua que não se atreve a mostrar-se
Com os terríveis males do mundo
Que são legião
Com seus legionários
Com seus torturadores
Com os mestres deste mundo
Os mestres com seus padres seus traidores e seus capangas
Com as estações
Com os anos
Com as belas moças e com os velhos bobos 
Com a palha da miséria apodrecendo no aço dos canhões.









Pater noster - Jacques Prévert


Notre Père qui êtes aux cieux

Restez-y
Et nous nous resterons sur la terrre
Qui est quelquefois si jolie
Avec ses mystères de New York
Et puis ses mystères de Paris
Qui valent bien celui de la Trinité
Avec son petit canal de l'Ourcq
Sa grande muraille de Chine
Sa rivière de Morlaix
Ses bêtises de Cambrai
Avec son Océan Pacifique
Et ses deux bassins aux Tuilleries
Avec ses bons enfants et ses mauvais sujets
Avec toutes les merveilles du monde
Qui sont là
Simplement sur la terre
Offertes à tout le monde
Éparpillées
Émerveillées elles-même d'être de telles merveilles
Et qui n'osent se l'avouer
Comme une jolie fille nue qui n'ose se montrer
Avec les épouvantables malheurs du monde
Qui sont légion
Avec leurs légionnaires
Aves leur tortionnaires
Avec les maîtres de ce monde
Les maîtres avec leurs prêtres leurs traîtres et leurs reîtres
Avec les saisons
Avec les années
Avec les jolies filles et avec les vieux cons
Avec la paille de la misère pourrissant dans l'acier des canons.

sábado, 19 de março de 2011

Para pintar o retrato de um pássaro - Jacques Prévert

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By efeitorizoma at 2011-03-20





Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
Às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir.
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro



Pour faire le portrait d’un oiseau

Jacques Prévert


Peindre d’abord une cage
avec une porte ouverte
peindre ensuite
quelque chose de joli
quelque chose de simple
quelque chose de beau
quelque chose d’utile
pour l’oiseau
placer ensuite la toile contre un arbre
dans un jardin
dans un bois
ou dans une forêt
se cacher derrière l’arbre
sans rien dire
sans bouger . . .
Parfois l’oiseau arrive vite
mais il peut aussi bien mettre de longues années
avant de se décider
Ne pas se décourager
attendre
attendre s’il le faut pendant des années
la vitesse ou la lenteur de l’arrivée de l’oiseau
n’ayant aucun rapport
avec la réussite du tableau
Quand l’oiseau arrive
s’il arrive
observer le plus profond silence
attendre que l’oiseau entre dans le cage
et quand il est entré
fermer doucement la porte avec le pinceau
puis
effacer un à un tous les barreaux
en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l’oiseau
Faire ensuite le portrait de l’arbre
en choisissant la plus belle de ses branches
pour l’oiseau
peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
la poussière du soleil
et le bruit des bêtes de l’herbe dans la chaleur de l’été
et puis attendre que l’oiseau se décide à chanter
Si l’oiseau ne chante pas
c’est mauvais signe
Signe que le tableau est mauvais
mais s’il chante c’est bon signe
signe que vous pouvez signer


Saudações cordiais,
Efeito Rizoma.