Mostrando postagens com marcador Educação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Educação. Mostrar todas as postagens

domingo, 5 de agosto de 2012

Você já se deparou com ninguém?


Hoje me deparei com toda uma família de ninguéns.
Impossível não me lembrar do GRANDE Eduardo Galeano.

Aproveito a lembrança para contar o acontecido com um pouco de Galeano e um pouco de mim:

Encontrei uma família de ninguéns.
Mãe nenhuma, Pai ausente, filhos ninguéns...
Donos de nada, quase inexistentes.

Os olhos tão bem treinados de nossa sociedade não conseguem enxergá-los.
Estavam literalmente marginalizados, em um canto recuado da praia, para que suas carcaças quase translucidas não atrapalhassem o espetáculo da maravilha da criação.
Maravilha que pertence aos escolhidos.

Os ninguéns devem ter pago um PLANO barato, pensou comigo o Doutor.

Nada de diferente nesta maravilha dominical do que é a praia em uma cidade do litoral.
Estavam lá todas as criaturas.
Os homens e as mulheres. As crianças e os animais de companhia. Todos curtindo a boa-aventurança...
Estavam lá os bem aventurados e estavam lá os ninguéns.

Eu também não os vi de pronto. Foi preciso que um deles do sexo feminino, com idade de criança, me abordasse no caminho do carro.
- Moço, me dá um trocado?
Respondi que não tinha ali e que teria no carro.
Prontamente aquela que parecia ser a Mãe nenhuma disse a ninguém que me acompanhasse.
Assim ela o fez, carregando consigo um bebê ninguém e acompanhada de perto por outro ninguémzinho que mal sabia caminhar.
O ninguémzinho cambaleante de fome ou de inexperiência me acompanhou.
Olhando pra cima me disse:
- Osssoo, Caaaadimmm.
E repetiu com um sorriso estranho para aquela criatura, me fez lembrar uma criança:
- Daaaaaaa... Caaaadiiiimmm.
Perguntei ao ninguémzinho qual era seu nome. Talvez se ele me dissesse aliviasse minha angústia.
- Ele não sabe falar. Interrompeu a menina que parecia ser sua irmã.
Quis saber sua idade.
- Ele tem dois anos.
Perguntei a dela.
- Eu tenho doze. Me respondeu carregando ainda um outro ninguém no colo. Este eu não precisava perguntar, de olhar percebi que era muito novo.

O Doutor me alcançou no carro e se antecipou entregando o "Caaadddimmm" para a menina.
Sem acompanhar a cena ele percebeu o que eles queriam por ali.
Não é tão difícil perceber...
Basta ter olhos que vejam e ouvidos que escutem.

O ninguémzinho não percebeu que sua irma recebera o trocado e repetiu:
- Daaaááa Caaaadiiimmm.
Ela o puxou pelo braço e seguiram.
Nós entramos no carro e seguimos.

A maravilha da vida  continuou, nenhuma bola parou, nenhum copo deixou de se esvaziar, nem uma boca de mastigar. Na praia, tudo continuava pesadamente normal. Nada tinha acontecido, nem acontece alíás.

Poucos minutos depois o Doutor falou:
- Difícil é ver gente dessa idade nessa situação.

- Difícil é saber que ele aprendeu a mendigar antes de falar, respondi.

E seguimos calados o resto do caminho.

Deixamos uns trocados e levamos nó na garganta.

Quem eram eles? Não sei. Não tinham nome.
Eram Ninguém.


Boas reflexões,
O Estudante

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Arquivo - Victor Giudice

Tive oportunidade de conhecer o autor, através de um trabalho acadêmico na disciplina Hermenêutica Jurídica.
Encontrei o conto no livro: Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século - Organizado por Italo Moriconi

 Escolhi trabalhar com O Arquivo de Victor Giudice primeiro por empatia com a maneira sublime e o estilo utilizado na composição de seus versos.  Segundo por encontrar na sua história elementos que levam a crer que o poeta ora comentado foi um daqueles que lutou contra a ditadura mesmo estando dentro do sistema.

Victor Marino del Giudice nasceu em Niterói, no dia 14 de fevereiro de 1934 e morreu em 22 de novembro de 1997, viveu durante um período de mudança no cenário político nacional, o período da ditadura militar (1964-1985), e viu o povo ir às ruas em busca de liberdade, em busca de justiça. 

Giudice aborda a temática da coisificação do homem no ambiente laboral. Com maestria e singularidade segue pela corrente contrária, levando consigo o leitor que acompanha a vida de joão, funcionário modelo, como se seu objetivo maior fosse servir à empresa até extinguir-se. 

Boa leitura e reflexão.

Saudações cordiais,
O Estudante





No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos. joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego.
Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.
Respirou descompassado.
- Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
- Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.
O coração parava.
- Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
- De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa.
Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada.
Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência.
A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho.
Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:
- Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:
- Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer
minha aposentadoria.
O chefe não compreendeu:
- Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
joão transformou-se num arquivo de metal.




sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Manifesto - Só a leitura salva




Não tive a oportunidade de conhecer o pessoal responsável pela elaboração do manifesto, mas a partir de agora tentarei acompanhar trabalhos desta natureza.

Acredito, como já disse em outros posts e em respostas à comentários, que as pessoas que buscam o conhecimento tem obrigação moral de apresentar aos seus semelhantes outras formas de pensamento, outros valores ou ideias. 
É imprescindível para a melhoria da condição de vida da nossa espécie, que tenhamos mais leitura, mas tão importante quanto a leitura é estimular outras formas de inteligência. Através da música, do teatro e da pintura estimulamos áreas do nosso cérebro tão importantes como à da leitura. Quanto mais estímulo à plasticidade de nossa inteligência, mais possibilidades teremos de encontrar potencial e futuros "gênios".

Eu comecei contaminando os hábitos dos mais próximos.
Você vai contribuir com o quê?

Boa reflexão.
Saudações cordiais,
O Estudante

domingo, 25 de setembro de 2011

A menininha dos fósforos - Clarissa Pinkola Estés

Publico um aperitivo do livro mulheres que correm com os lobos de Clarissa Pinkola Estés.


A publicação abaixo é a junção de uma sinopse encontrada no site da editora Rocco, o conto e a análise da autora. 
Discuti em um grupo de estudos que participo, vários trechos (contos e análises) deste livro. O que mais me chamou atenção foi o da menininha.
O conto me fez repensar inclusive alguns posicionamentos meus quanto aos mendigos.
Quem tiver interesse em ler o livro na íntegra pode encontrá-lo no Google em forma de PDF.


Boa leitura e reflexão.
Saudações cordiais,
O Estudante.


Sinopse:
Os lobos foram pintados com um pincel negro nos contos de fada e até hoje assustam meninas indefesas. Mas nem sempre eles foram vistos como criaturas terríveis e violentas. Na Grécia antiga e em Roma, o animal era o consorte de Artemis, a caçadora, e carinhosamente amamentava os heróis. A analista junguiana Clarissa Pinkola Estés acredita que na nossa sociedade as mulheres vêm sendo tratadas de uma forma semelhante. Ao investigar o esmagamento da natureza instintiva feminina, Clarissa descobriu a chave da sensação de impotência da mulher moderna. Seu livro,Mulheres que correm com os lobos, ficou durante um ano na lista de mais vendidos nos Estados Unidos.
Abordando 19 mitos, lendas e contos de fada, como a história do patinho feio e do Barba-Azul, Estés mostra como a natureza instintiva da mulher foi sendo domesticada ao longo dos tempos, num processo que punia todas aquelas que se rebelavam. Segundo a analista, a exemplo das florestas virgens e dos animais silvestres, os instintos foram devastados e os ciclos naturais femininos transformados à força em ritmos artificiais para agradar aos outros. Mas sua energia vital, segundo ela, pode ser restaurada por escavações "psíquico-arqueológicas" nas ruínas do mundo subterrâneo. Até o ponto em que, emergindo das grossas camadas de condicionamento cultural, apareça a corajosa loba que vive em cada mulher.






A concentração e o moinho da fantasia 

Na América do Norte, o conto intitulado "A menininha dos fósforos" é mais conhecido na versão de Hans Christian Andersen. Ele descreve as conseqüências da falta de alimento e da falta de concentração. Trata-se de uma história muito antiga, contada pelo mundo afora, em versões diferentes. Às vezes ela fala de um carvoeiro que usa seus últimos carvões para se aquecer enquanto sonha com tempos passados. 
Em algumas versões, o símbolo dos fósforos é transformado em algum outro objeto, como na história do pequeno florista, que descreve um homem magoado que contempla fixamente o centro das suas últimas flores até desaparecer para sempre. Embora haja quem dê uma interpretação superficial a essas histórias e declare que não passam de histórias piegas, querendo dizer que elas têm excessivo apelo emocional, seria um erro ignorá-las sem lhes dedicar maior atenção. Em sua essência, esses contos são profundas expressões da psique, a qual pode vir a ser hipnotizada negativamente a um tal ponto que a vida real e vibrante começa a "morrer" em espírito.
A primeira vez que ouvi essa versão de '’A menininha dos fósforos" foi da minha tia Katerina, que veio para os Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, sua humilde aldeia de lavradores da Hungria havia sido dominada e ocupada por três nações hostis. Ela sempre começava a história dizendo que sonhos agradáveis sob circunstâncias difíceis não fazem bem; que nos tempos árduos precisamos ter sonhos fortes, reais, sonhos que possam se realizar se trabalharmos com afinco e bebermos nosso leite à saúde da Virgem. 


 


A menininha dos fósforos 

Era uma vez uma menininha que não tinha nem pai nem mãe e que morava na floresta negra. Havia nas proximidades da floresta uma aldeia, e ela havia aprendido que podia comprar lá fósforos por meio pêni que podiam ser vendidos na rua por um pêni inteiro.  Se ela vendesse fósforos em quantidade suficiente, poderia comprar uma fatia de pão, voltar para sua meia-água na floresta e ali dormir com as únicas roupas que possuía. 
Chegou o vento, e ficou muito frio. Ela não tinha sapatos, e seu casaco era tão fino que chegava a ser transparente. Seus pés há muito haviam passado do ponto de estar azuis de frio. Seus dedos dos pés estavam brancos, assim como os dedos das mãos e a ponta do nariz. Ela perambulava pelas ruas, implorando a desconhecidos que comprassem fósforos dela. Mas ninguém parava e ninguém prestava a mínima atenção a ela. 
Por isso, uma noite ela se sentou dizendo para si mesma que tinha fósforos e que podia acender uma fogueira para se aquecer. Só que ela não tinha nem gravetos nem lenha. Resolveu acender os fósforos assim mesmo. 
Ela se sentou com as pernas esticadas para a frente e acendeu o primeiro fósforo. Ao fazê-lo, pareceu-lhe que o frio e a neve desapareciam por completo. O que ela viu no lugar da neve rodopiante foi uma sala, uma linda sala com um enorme fogão de cerâmica verde-escuro, com uma porta de ferro trabalhado em arabescos. 
Tanto calor emanava do fogão que o ar chegava a ondular. Ela se aconchegou junto a ele e se sentiu no paraíso. De repente, porém, o fogão se apagou, e ela estava mais  uma vez sentada na neve, tremendo tanto que os ossos do seu rosto retiniam. E assim ela acendeu o segundo fósforo. A luz iluminou a parede do edifício ao lado de onde ela estava sentada, e ela subitamente pôde ver através da parede. Na sala  por trás da parede, havia uma toalha alvíssima sobre a mesa, e ali na mesa havia porcelana do branco mais branco. Numa  travessa, um ganso, que acabava de ser preparado. E, exatamente quando ela esticou a mão para alcançar o banquete, a miragem desapareceu.
Ela estava novamente na neve, mas agora seus joelhos e quadris não doíam mais. Agora o frio abria caminho pelo seu torso e pêlos braços com formigamentos e ardências, e por isso ela acendeu o terceiro fósforo. E na chama do terceiro fósforo havia uma linda árvore de Natal, com uma belíssima decoração de velas brancas, babados de renda e maravilhosos enfeites de vidro, além de milhares e milhares de pequenos pontos de luz que ela não conseguia discernir direito.  
Ela olhou para o alto dessa árvore enorme que crescia  cada vez mais e avançava cada vez mais na direção do teto até que se transformou nas estrelas do céu lá em cima. Uma estrela atravessou brilhante o céu, e ela se lembrou de suai mãe lhe ter dito que, quando morre uma alma, uma estrelai cai.         
E do nada surgiu sua avó, tão carinhosa e delicada, e ai menina se sentiu feliz ao vê-la. A avó levantou o avental, envolveu nele a criança, abraçou-a bem apertado, e a menina sei sentiu contente. 
Mas a avó também começou a desaparecer. A menina acendia cada vez  mais fósforos para manter a avó consigo... cada vez mais fósforos para mantê-la consigo... cada vez mais... e elas começaram a subir juntas para o céu, onde não havia nem frio, nem fome, nem dor. E pela manhã, entre as casas, encontraram a menina imóvel e morta.


============================ 

Afugentando a fantasia criativa 

Essa criança está num ambiente em que as pessoas não se importam com ela. 
Se você está num ambiente desses, saia daí. Essa criança está num meio no qual o que ela tem, foguinhos em palitos  — o início de toda possibilidade criativa  — não é valorizado. Se você estiver numa aflição semelhante, vire as costas e vá embora. Essa criança está numa situação psíquica na qual há poucas opções. Ela se resignou ao seu "lugar" na vida. Se isso aconteceu com você, pare de se resignar e saia. 
O que a menina dos fósforos deve fazer? Se os seus instintos estivessem intactos, suas opções seriam inúmeras. Caminhe até uma outra cidade, esconda-se numa carroça, abrigue-se num depósito de carvão. A Mulher Selvagem saberia o que fazer em seguida, mas a menina dos fósforos não conhece mais a Mulher Selvagem. A pequena criança selvagem está morrendo de frio; tudo o que resta dela é uma pessoa que se movimenta como se em transe. 
Estar com pessoas reais que nos aqueçam, que apóiem e elogiem nossa criatividade, é essencial para a corrente da vida criativa. Do contrário, acabamos congeladas. O ambiente propício é um coro de vozes tanto interiores quanto exteriores que observa o estado do ser da mulher, tem o cuidado de incentivá-lo e, se necessário, também a conforta. Não tenho certeza do número de amigos de que precisamos, mas decididamente um ou dois que considerem o seu talento, qualquer que ele seja,  pan de cielo, o pão dos céus. Toda mulher tem direito a um coro de elogios. 
Quando as mulheres estão ao relento, no frio, elas costumam viver de fantasias em vez de ação. Fantasias desse tipo são o grande anestésico. Conheço mulheres dotadas de vozes maravilhosas. Conheço mulheres contadoras inatas de histórias. 
Quase tudo que lhes sai da boca é de improviso e bem elaborado. No entanto, elas se sentem isoladas ou de algum modo destituídas dos seus direitos. Elas são tímidas, o que muitas vezes é um disfarce para um animus esfaimado. Elas têm dificuldade para perceber que recebem apoio de dentro, de amigos, da família ou da comunidade. 
Para evitar o destino da menininha dos fósforos, há um importante passo que você deve dar. Qualquer um que não apoie sua arte, sua vida, não é digno do seu tempo. É duro mas é verdade. Se não pensarmos assim, adotamos direto os trapos da menina dos fósforos e somos forçadas a viver uma; fração de vida que mata pelo frio todo pensamento, toda esperança, talentos, escritos, alegrias, projetos e danças. 
O calor deveria ser o principal alvo da menininha dos fósforos. Na história, porém, ele não é. Pelo contrário, ela tenta vender os fósforos, suas fontes de calor. 
Essa atitude não deixa o feminino nem um pouco mais quente, rico ou sábio, e impede seu desenvolvimento futuro. 
O calor é um mistério. Ele de certo modo nos cura e nos gera. Ele é quem solta o que está preso demais, propicia o movimento livre, o misterioso impulso de ser, o primeiro voo das ideias novas. Não importa o que o calor seja, ele aproxima as pessoas cada vez mais. 
A menina dos fósforos não está num ambiente em que possa se desenvolver. 
Não há calor, não há gravetos, não há lenha. Se estivéssemos no seu lugar, o que poderíamos fazer? Para começar, poderíamos não acalentar a terra de fantasia que a menina cria ao acender os fósforos. Existem três tipos de fantasias. O primeiro é a fantasia do prazer: uma espécie de sorvete mental, exclusivamente destinada à fruição, como quando sonhamos de olhos abertos. O segundo tipo de fantasia é a formação intencional de imagens. Essa fantasia é  como uma sensação de planejamento. Ela é usada como veículo para nos levar a agir. Todos os sucessos  — psicológicos, espirituais, financeiros e criativos  — começam com fantasias dessa natureza. E existe ainda o terceiro tipo, aquela fantasia que paralisa tudo. É o tipo de fantasia que impede a ação adequada nos momentos críticos. 
Infelizmente, é essa a fantasia criada pela menina dos fósforos. É uma fantasia que não tem nada a ver com a realidade. Ela está relacionada, sim, à sensação de que não há nada a ser feito mesmo e que não faz diferença se mergulhamos numa fantasia vã. Às vezes, essa fantasia está na mente da mulher. Às vezes, ela lhe chega numa garrafa de bebida, numa seringa, ou na falta dessas coisas. Às vezes, a fumaça de um alucinógeno é o meio  de transporte; ou ainda muitos quartos descartáveis, mobiliados com uma cama e um desconhecido. As mulheres nessas situações estão representando a menininha dos fósforos em cada noite de fantasias e de mais fantasias, acordando congeladas e inertes a cada  amanhecer. Existem muitas formas de perder o rumo, de perder nosso foco de atenção. 
E o que poderá reverter essa situação e restaurar a auto-estima e o amor-próprio? Temos de descobrir algo muito diferente do que o que a menina dos fósforos tinha. Precisamos levar nossas idéias para um lugar onde elas encontrem apoio. Esse é um passo enorme concomitante com a volta ao foco de atenção: encontrar um lugar propício. Pouquíssimas mulheres têm condição de criar apenas com o próprio gás. 
Precisamos de todos os estímulos que pudermos encontrar. 
A maior parte do tempo as pessoas têm idéias fantásticas. Vou pintar aquela parede de uma cor que eu aprecie; vou bolar um projeto com o qual toda a cidade se envolva; vou fazer uns azulejos para meu banheiro e, se eu realmente gostar deles, vou vender alguns; vou voltar a estudar; vou vender a casa para viajar, vou ter um filho, deixar isso e começar aquilo, seguir o meu caminho, me organizar, ajudar a corrigir essa ou aquela injustiça, proteger os desassistidos. 
Esses tipos de projeto precisam ser acalentados e alimentados. Eles precisam de apoio vital  — de pessoas  carinhosas. A menininha dos fósforos está aos frangalhos. Como diz a velha canção folclórica, esteve por baixo tanto tempo que até lhe parece que está por cima. Nada pode vicejar nesse nível. Queremos nos colocar em situações nas quais, como as plantas e as árvores, possamos nos voltar para o sol. 
Mas é preciso que haja um sol. Para conseguir isso temos de nos  mexer, não simplesmente ficar ali sentadas. Temos de fazer alguma coisa para tornar diferente nossa situação. Se não nos mexermos, estaremos de volta às ruas vendendo fósforos. 
Amigos que a amem e que tenham carinho pela sua vida criativa são os melhores sóis do mundo. Quando uma mulher, como a menininha dos fósforos, não tem nenhum amigo, ela também se sente congelada de angústia bem como, às vezes, de raiva. Mesmo que se tenha amigos, eles podem não ser sóis. Eles podem confortá-la em vez de mantê-la informada das suas circunstâncias cada vez mais gélidas. Eles a consolam  — mas isso é muito diferente do cuidado e carinho. O cuidado e o carinho levam a mulher de um lugar para outro. Eles são como cereais matinais psíquicos.  
A diferença entre o consolo e o cuidado e carinho é a seguinte: se você tem uma planta  que está doente porque vocês a mantém num armário escuro e você lhe diz palavras tranquilizadoras, isso é consolo. Se você tira a planta do armário e a põe ao sol, lhe dá algo para beber e depois conversa comi ela, isso é cuidado e carinho.                            
Uma mulher enregelada sem cuidado e sem carinho tem a propensão a se voltar para incessantes fantasias hipotéticas. No entanto, mesmo que ela esteja nessa condição de enregelamento,  especialmente se ela estiver numa situação dessas, ela deve recusar a fantasia consoladora. É que esse tipo de fantasia nos deixará mortas sem a menor dúvida. Você sabe como essas fantasias letais se apresentam, "Um dia 
quem sabe..."’’Se ao menos eu tivesse...", "Ele vai mudar..." e "Se eu só aprender a meu controlar... quando eu realmente estiver pronta, quando eu tiver XYZ suficiente, quando as crianças crescerem, quando eu me sentir mais segura, quando eu encontrar outra pessoa e logo que eu...", e assim por diante. 
A menininha dos fósforos tem uma avó interna que em vez de gritar com ela "Acorde! Levante-se! Não importa a que custo, descubra um lugar quente!", prefere levá-la para uma vida de fantasia, levá-la para o "céu". Mas o céu não vai ajudar a Mulher Selvagem, a criança selvagem acuada ou a menininha dos fósforos nessa situação. Essas fantasias consoladoras não devem ser detonadas. Elas são distrações sedutoras e letais que nos afastam do trabalho verdadeiro. 
Vemos a menina dos fósforos fazer uma espécie de permuta, um tipo de comércio maléfico, quando ela vende os fósforos, os únicos objetos que possui que poderiam aquecê-la Quando as mulheres estão desconectadas do amor benéfico da mãe selvagem, elas estão vivendo com o equivalente a uma dieta de subsistência no mundo exterior. O ego mal consegue se manter  vivo, recebendo o mínimo de 
alimento de fora e voltando a cada noite do ponto de onde começou, sem parar. Ali a menina adormece, exausta.  
Ela não pode despertar para uma vida com um futuro porque sua desgraça é como um gancho no qual ela se pendura todos os dias. Nas iniciações, passar algum tempo sob condições difíceis faz parte de uma separação forçada da acomodação e do conforto. Como transição iniciática, esse período tem seu término, e a mulher "recém-preparada" começa uma vida criativa e espiritual revitalizada e esclarecida. 
No entanto, poderia ser dito que as mulheres na situação da menininha dos fósforos foram envolvidas numa iniciação que deu errado. As condições hostis não servem para um aprofundamento, só para dizimar. É preciso que elas escolham um outro local, outro ambiente, com tipos diferentes de apoio e de orientação. 
Historicamente, e em especial na psicologia dos homens, a doença, o exílio e o sofrimento são muitas vezes compreendidos como uma separação iniciática, ocasionalmente com enorme significado. No entanto, para as mulheres, há outros arquétipos iniciáticos que têm origem na psicologia e no físico da mulher. Dar à luz é um deles; o poder do sangue é outro, assim como estar apaixonada ou ser objeto de um amor benéfico. Receber a bênção de alguém que ela admira, receber ensinamentos profundos e positivos de alguém mais velho do que ela: todas essas são iniciações intensas e que possuem suas próprias tensões e ressurreições. 
Seria possível dizer que a menina dos fósforos chegou muito perto e no entanto ficou longe demais do estágio transicional de movimento e de ação que teria completado sua iniciação. Embora ela possua os meios para uma experiência iniciática na sua vida miserável, não há ninguém nem dentro nem fora dela que oriente seu processo psíquico. 
Em termos psíquicos, no sentido mais negativo possível, o inverno traz o beijo da morte  — ou seja, uma frieza  — a tudo o que toca. A frieza representa o fim de um relacionamento. Se você quiser matar alguma coisa, basta agir com frieza. Assim que vemos congelados nosso sentimento, nosso pensamento ou nossa atividade, o relacionamento não é mais possível. Quando os seres humanos querem abandonar alguma coisa dentro de si mesmos ou pretendem dar um "gelo" em alguém, eles os ignoram, deixam de convidá-los, isolam-nos, fazem o maior esforço para não ter nem mesmo de ouvir sua voz ou pôr os olhos sobre eles. É essa a situação na psique da menina dos fósforos. 
A menina dos fósforos perambula pelas ruas e implora a desconhecidos que comprem fósforos dela. Essa cena mostra um dos aspectos mais desconcertantes quanto ao instinto ferido das mulheres, a entrega da luz por um preço baixo. As pequenas luzes nos palitos são semelhantes às luzes maiores às caveiras nas pontas das varas, na história de Vasalisa. Elas representam a sabedoria mas, o que é mais importante, elas acionam a conscientização, substituindo o escuro pela luz, recendendo o que acabou se apagando. O fogo é o principal símbolo da revivificação na psique. 
Temos aqui a menina dos fósforos em extrema necessidade de, mendigando, oferecendo na realidade algo de valor muito maior  — uma luz  — do que o valor recebido em troca  — um pêni. Quer esse "grande valor dado em troca de um valor menor" esteja dentro da nossa psique, quer ele seja vivenciado por nós no mundo objetivo, o resultado é o mesmo: maior perda de energia. Nessas circunstâncias, a mulher não consegue suprir suas próprias necessidades. Algo que quer viver implora pela vida, mas não obtém resposta. Temos, aqui, alguém que como Sofia, o espírito grego da sabedoria, tira a luz das profundezas, mas a revende em espasmos de fantasia inútil. Maus amantes, patrões execráveis, situações de exploração, complexos ardilosos de todos os tipos atraem a mulher para essas escolhas. 
Quando a menina dos fósforos resolve acender os fósforos, ela está usando seus recursos para fantasiar em vez de usá-los para agir. Ela queima sua energia de um modo quase que instantâneo. Isso aparece com evidência na vida da mulher. Ela está determinada a entrar para a faculdade, mas demora três anos para decidir qual prefere. Ela vai fazer aquela série de quadros mas, como não tem um lugar em que possa exibir o conjunto, não dá prioridade à pintura. Ela quer fazer isso ou aquilo, mas não reserva tempo para aprender, para desenvolver bem sua sensibilidade ou sua técnica. Ela tem dez cadernos cheios de sonhos, mas fica enredada no seu fascínio pela interpretação e não consegue pôr em ação seu significado. Ela sabe que deve sair, começar, parar, avançar, mas não faz nada disso. E assim compreendemos seus motivos. Quando a mulher tem seus sentimentos congelados, quando ela não consegue mais se sentir, quando seu sangue, sua paixão, não mais atingem as extremidades da sua psique, quando ela está desesperada; em todos esses casos, uma vida de fantasia é muito mais agradável do que qualquer outra coisa ao alcance dos seus olhos. A pequena chama dos seus fósforos, por não ter nenhuma lenha a queimar, acaba queimando sua psique com se ela fosse uma grande acha seca. A psique começa a se iludir. Ela agora vive no fogo de fantasia da satisfação de todos os anseios. Esse tipo de fantasia é como uma mentira. Se você a repetir com bastante freqüência, começará a acreditar nela. Esse tipo de angústia de conversão, na qual os problemas ou questões são minimizados com a entusiástica fantasia de soluções irrealizáveis ou de tempos melhores, não ataca apenas as mulheres; ele é o maior obstáculo enfrentado pela humanidade. O fogão na fantasia  da menina dos fósforos representa pensamentos calorosos. Ele é também um símbolo do centro, do coração, da lareira. Ele nos diz que sua fantasia está à procura do self verdadeiro, do coração da psique, do calor de um lar interno. 
De repente, porém, o fogão se apaga. A menina dos fósforos, como todas as mulheres nesse tipo de aflição psíquica, descobre que está novamente sentada na neve. Vemos aqui que esse tipo de fantasia é momentâneo e destrutivo. Ele não tem nada a queimar, a não ser nossa energia. Muito embora a mulher possa usar suas fantasias para se manter aquecida, ela mesmo assim acaba num frio profundo. 
A menina dos fósforos acende outros palitos. Cada fantasia se extingue, e a criança volta a congelar na neve. Quando a psique está gelada, a pessoa se volta para si mesma e para ninguém mais. Ela risca um terceiro fósforo. Ele é o número três dos contos de fadas, o número mágico, o ponto no qual algo de novo pode acontecer. Nesse caso, porém, como a fantasia supera a ação, nada de novo ocorre. 
É irônico que haja uma árvore de Natal na história. A árvore de Natal evoluiu de um símbolo pré-cristão da vida eterna—a árvore que mantinha suas folhas verdes mesmo no inverno. Seria possível dizer que isso era o que poderia salvá-la, a ideia da psique da alma  sempre verde, sempre crescendo, sempre em movimento. Mas o quarto não tem teto. A ideia da vida não pode ser contida na psique. A ilusão assumiu o comando. 
A avó é tão carinhosa, tão dedicada, e no entanto ela é a morfina final, o último trago de cicuta.  Ela atrai a criança Para o sono da morte. Em seu sentido mais negativo, esse é o sono da acomodação, o sono do entorpecimento  — "Tudo bem, dá para eu aguentar"; o sono da negação  — "Basta que eu olhe para o outro lado". Esse é o sono da fantasia maligna, no qual esperamos que todo sofrimento físico desapareça como que por mágica. Trata-se de um fato psíquico que, quando a libido ou a energia definha ao ponto de não mais se ver a respiração no espelho, a natureza da vida-morte-vida aparece, representada aqui  pela avó. É sua a tarefa de chegar no momento da morte de alguma coisa, de incubar a alma que deixou sua casca para trás e de cuidar dessa alma até que ela possa renascer. 
Essa é a bênção da psique de todo mundo. Mesmo diante de um final doloroso quanto o da menina dos fósforos, há um raio de luz. Quando se reúnem tempo, insatisfação e pressão suficientes, a Mulher Selvagem da psique lançará vida nova na mente da mulher, dando-lhe a oportunidade de agir em seu próprio interesse mais uma vez. Como podemos ver pelo sofrimento envolvido, é muito melhor curar nossa dependência da fantasia do que aguardar, com desejo e esperança, que sejamos ressuscitadas dos mortos. 




domingo, 11 de setembro de 2011

O que é Ideologia - Marilena Chauí



Tive a felicidade de ler este livro em uma excelente e oportuna complementação da matéria sociologia na faculdade.
Por falta de perícia e tempo, não tentarei resumir nem transmitir as ideias contidas no livro. Mas, como um adepto do século deleuziano ou "rizomático" forneço o link para que vocês se dediquem a esta leitura que na minha opinião é de grande valia.

Desejo a todos uma excelente formação como pessoas, independente da área profissional.

Saudações Cordiais,
O Estudante.

domingo, 24 de julho de 2011

Como nosso sistema constrói os preconceitos

Este espaço não nasceu com a finalidade de denúncias, porém me sinto compelido a corrigir um pouco o rumo do nosso trabalho. 
Como vocês devem supor, dedico um pouco do meu tempo livre a leitura, às vezes leio romances para desanuviar a mente e quase sempre leio filosofia, para DESANUVIAR mais rápido. Em minhas leituras encontro aqui e acolá vocábulos que não fazem parte do meu cotidiano ou que simplesmente tenho alguma ideia do termo mas prefiro verificar no dicionário. 

Eis com o que me deparo quando verifico a palavra ÍMPIO no site http://www.priberam.pt/dlpo/ (dicionário respeitado e muito acessado na rede)






Fiquei indignado com a relação que fizeram entre a falta de piedade e o ateísmo, a heresia ou ainda o sacrilégio.
Se no espaço virtual criado especificamente para consultas educacionais, para esclarecer dúvidas, encontramos tais relações temos que realmente nos preocupar. Se fizermos uma pequena reflexão e expandirmos esta iniquidade para outros tipos de preconceitos poderíamos facilmente encontrar:

 imoral 

adj.

1. Contrário à moral.

2. Falto de moralidade.

3. Desonesto.

4. Escandaloso.
5. Libertino.
s.m
6. Sem moral = Homossexual, Bissexual e congêneres.

Ou pior ainda poderíamos encontrar algo do tipo:

gatuno 

adj. s. m.
Vadio que se dá ao furto; larápio; ratoneiro.
s.m
2. Ladrão = Negro, vagabundo e preguiçoso. 


Para nossa quase tranquilidade os dois exemplos que citei não existem mais. Ou pelo menos não existem mais escritos, se alguém ainda pensa desta forma tem a obrigação cívica de guardar para si, pois a mera manifestação deste tipo espúrio de preconceito constitui crime.
É inegável, sinto dizer, que nossas leis são demasiadas lentas e nosso legislativo inoperante e surdo, pois a realidade social leva décadas para chegar ao "papel".
Destas incongruências com a realidade é que se constroem os preconceitos. Quando alguém ou alguma classe dominante resolve achar por bom, por justo, por correto algum conceito, este é aceito de imediato e difundido através dos instrumentos de controle das massas. Como bons exemplos para estes instrumentos temos a televisão, o rádio, enfim as mídias em geral.

A problemática do preconceito é enorme e para poder concluir o texto vou me ater ao que interessa a minha crítica.

É inadmissível que nos dias atuais tenhamos tais preconceitos sendo difundidos na grande rede, os organizadores deste site devem explicações a todos os homens de bem, ateus ou teístas. Quisera eu que a justiça.
Todos os indivíduos que compõem o que chamamos de coletividade, no nosso caso específico o Brasil, são responsáveis pelos crimes não punidos, pela falta de cultura como também pela quase inexistente tolerância.
A questão que ponho aqui não se reporta a sua órbita de direitos, ao contrário ela transcende por inteiro o pessoal, se entremeia no todo. Não importa a esta questão qual é o seu credo ou seu não credo, temos uma doença degenerativa no seio da nossa sociedade, ela se pronuncia na nossa complacência, na nossa vista grossa com os problemas do OUTRO.
Seguindo o raciocínio que expus concluo que é no problema que aflige ao outro que nós cometemos os maiores erros da história.
A ver:
Guerras santas - Qual é o problema de matar no oriente?
Santa inquisição - Qual o mal em torturar e condenar à fogueira, à roda, ao cadafalso, baseados em confissões retiradas a sangue?
Conquista espanhola - Podem matar todos os ameríndios, até porquê eles não tem alma, são como animais, muito diferentes de nós. 70 milhões de mortos. Civilizações dizimadas, culturas perdidas.
Trafico negreiro - Podem escravizar, estuprar, torturar todos os negros que conseguirem, afinal eles também não tem alma, dizem que nem sentem dor.
Segunda guerra - É melhor ficarmos de fora, até por que o que Hitler está fazendo não nos concerne, são questões internas da Alemanha. Quantas vidas seriam poupadas se tivéssemos intervindo mais cedo? 60 milhões de mortos, incluindo 20 milhões de soldados e 40 milhões de civis.

Poderia continuar e listar outros tantos erros cometidos ao longo da história, todos decorrentes de intolerância, ignorância e preconceito.

Faço outra ressalva não menos importante: não é por que muita gente acha que uma coisa é certa que ela forçosamente será, é preciso ter um olhar crítico sobre o que está posto.
A mudança a que me refiro deverá ser uma escolha sua, não importa quantas vezes escrevam ou falem, a análise dos principais dogmas deve ser empreendida por você.
Nunca é tarde para questionar, prescrutar e rever seus conceitos.
Lembre-se que até quando você não faz nada você pode estar contribuindo para atrocidades.

Boa reflexão a todos os serem pensantes.

Saudações cordiais,
O Estudante.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Estudar por quê?

www.mymodernmet.com

Em uma de minhas viagens pelo interior do estado vi uma menina de no máximo treze anos dar um tiro de 300 metros para recuperar o ônibus da escola.  Nunca vi tanta gana pelo estudo. Se tivesse filmado daria um belo de um clip motivacional.

Para que este que vos escreve descobrisse gosto pelos estudos, foi preciso trabalhar em uma loja de varejo no centro por mais de um ano.

Cada um amadurece do seu jeito. É o que dizem.
É uma pena perceber que na verdade isso é uma bela falácia. Existem pessoas que nunca irão amadurecer, ou pior, que nunca passarão sequer uma hora de sua existência acordado.
O que motiva a nossa espécie? gostaria de vos dar a resposta, mas hoje só trouxe dúvidas.

Duvido, inclusive, do interesse do nosso sistema em nos preparar para tal façanha que é estar desperto.
Duvido da educação dada a nós pelos nossos primeiros professores, os nossos pais, porque infelizmente o ser humano só transmite o que ele possui.
Duvido do padre, do bispo, do pastor, do shamam, do guia, porque eles querem sempre nos explicar tudo. Isso não me convém, prefiro descobrir o mundo com o que eu possuo de melhor. Minha Razão, se é que a possuo.
Não posso deixar de duvidar dos senhores do mundo. Os que parecem bons tentam conciliar o egoísmo inerente a nossa espécie, o poder em suas mãos e o tão almejado bem maior. Como são lerdos. Com os maus declarados não desperdiçarei nem mais um pixel.
Duvido também dos meus sentidos porque basta um simples balanço e meu mundo pode ruir bem em frente aos meus olhos, tudo pode de repente deixar de ter esta organização. Caso isto ocorra, neste momento, vos pergunto. O mundo deixará de ser mundo? Coitado dos internos em manicômios.

Tenho tantas outras dúvidas...
Na minha breve caminhada consegui amealhar uma impressão que me parece quase livre de erros. Esta impressão floreia minha mente com momentos de clareza impagáveis que me ocorrem quando me debruço em meus estudos...

Boa sorte em seus estudos e em sua busca.

Saudações cordiais,
O Estudante

Musicas para ouvir online

quarta-feira, 23 de março de 2011

Você vai ser professor? Conta outra, vai!



O EfeitoRizoma republica artigo escrito pelo Paulo Ghiraldelli, extraído do site http://ghiraldelli.pro.br/ :

Continuamos a dar aulas nos cursos de licenciatura como se estivéssemos em Cambridge. Tudo corre de modo irreparável. Ao menos nós, os bons professores das universidades públicas, continuamos a colocar os alunos lendo os clássicos, falando sobre infância e teorias pedagógicas e tudo o mais. Fingimos descaradamente que os estados e os municípios (os únicos responsáveis pelo o ensino básico) estão fazendo a sua parte e que os nossos alunos irão ocupar os postos de professores no ensino fundamental e médio. Mas não vão.

A média de exoneração a pedido do próprio professor é de mais de dois por dia letivo, entre os que passaram em concurso recente no Estado de S. Paulo. Em 25 dias letivos, foram 60 professores que deixaram o cargo. A maior parte deles está entre os mais bem formados, os que vieram de universidades públicas (Folha, 21/03). O governo Alckmin diz que isso é “normal”, que tais pedidos são por “motivos pessoais”. Sim! De fato, são pessoais. A maioria diz que sua experiência pessoal, em 25 dias, mostra que não compensa, por mil reais, enfrentar alunos que não prestam atenção em nada, apenas falam no celular durante a aula, furam pneus de carros e ameaçam professores. Isso sem contar as condições físicas das escolas. Essa é realidade paulista, mas São Paulo não precisa se orgulhar sozinho por ter tornado seu ensino um lixo. A maior parte dos estados da Federação apresenta os mesmos problemas. Os melhores professores, os concursados que passam nos primeiros lugares dos últimos exames, logo percebem que qualquer outro emprego pode ser melhor que ser um professor da escola pública. Nunca um setor do serviço público foi tão menosprezado no Brasil.

O que fazemos nós, na universidade pública, a esse respeito? Nada! Continuamos a ler as estatísticas, mas não abrimos a boca, para os nossos alunos, do que é ser professor na rede pública. Entramos em sala dos cursos de licenciatura e ministramos as aulas sonhando, todos, que vamos formar professores, mas no íntimo, tocamos o barco como se estivéssemos, mesmo, é alimentando um bacharelado disfarçado. Pois, no íntimo, sabemos que estamos dando aula para meia dúzia, os que irão fazer mestrado e, enfim, voltarão para nos substituir na rede pública de ensino que talvez sobre: a da universidade. Estamos endossando a idéia que se disseminou nas práticas governamentais dos últimos anos: o que haverá no Brasil, em termos de ensino público, será uma grande rede de colégios mais ou menos profissionalizantes, em nível superior – a rede de ensino das universidades públicas. Aqui se dará o final da alfabetização e alguma profissionalização. Todo mundo sairá dessa rede com diploma de nível superior.

O brasileiro médio vem concordando com isso. De uns vinte anos para cá, a população brasileira vem acreditando que a educação básica não importa, que o que importa é a educação superior. Por educação superior, leia-se: diploma de nível superior. Isso é tão visível que uma parte da população acha que o vestibular não serve para nada, que a matéria que “cai no vestibular” é inútil para se cursar a universidade. Nós, professores universitários, sabemos que não. Sabemos que os alunos que passam por vestibulares mais concorridos formam turmas melhores na universidade. Sabemos que o ensino básico é necessário e que aquilo que os cursinhos pré-vestibulares ensinam é realmente o que é preciso para que o ensino universitário aconteça. Mas, o fato é que nós nem mais conseguimos lutar por nada. Pois o MEC, a quem poderíamos ter acesso, está de mãos atadas. Nosso ensino básico é inteiro municipal e estadual. Somos arrastados por esses mecanismos de desvalorização do professor do ensino básico, e que está tornando nosso país inviável. Estamos nos tornando a quinta economia do mundo, mas não conseguimos nos civilizar e, enfim, poderemos morrer na praia, porque somos um país cujo ensino não anda.

Essa desgraça que se abateu no ensino básico (e não só público!), por culpa da sociedade e dos estados, já está atingindo o ensino superior. Nem mesmo a USP ou outras federais famosas estão entre as escolas que ocupam posições de destaque no cenário internacional. Na última classificação, vários países ditos emergentes apareceram entre aqueles que tinham universidades no ranking mundial. O Brasil não! Nem mesmo a USP? Que USP que nada! Ela já não aparece mais!

É incrível que a cada período eleitoral tenhamos de agüentar os candidatos a cargos executivos e legislativos dizendo que a educação é a prioridade e, logo em seguida, os vemos dizendo que, em termos de ensino, tudo vai bem. Não vai. E nós, professores universitários, continuamos a mentir para nós mesmos, concordando com isso e dizendo para nossos alunos que eles estão se formando para alguma coisa que vale a pena. É mentira. Nós somos todos um bando de Pinóquios.

© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr. Filósofo, escritor e professor da UFRRJ