quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um país de duas caras



Apresento um artigo do ilustre professor Comparato. 

É inegável que esta nação precisa evoluir seu modo de pensar. Dizer que não somos preconceituosos é no mínimo falta de informação. É necessário que todos os cidadãos se empenhem na aplicação dos direitos fundamentais preceituados na carta magna. 

Todos que compõem a coletividade que chamamos de estado, são responsáveis pelos atos praticados pelo todo. Contribuindo ou abstendo-se, continuamos responsáveis. 



UM PAÍS DE DUAS CARAS

 (Saiu no ConversaAfiada )


por Fábio Konder Comparato


Na cerimônia de conclusão do curso do Instituto Rio Branco, de preparação à carreira diplomática, a presidente Dilma Roussef declarou que o tema dos direitos humanos será promovido e defendido “em todas as instâncias internacionais sem concessões, sem discriminações e sem seletividade”.


A declaração foi acolhida com aplausos de todos os lados, muito embora ela nada mais represente do que o cumprimento de um expresso dever constitucional. A Constituição Federal, em seu art. 4º, inciso II, determina que o Estado brasileiro deve reger-se, nas suas relações internacionais, pelo princípio da “prevalência dos direitos humanos”.


Acontece que nessa matéria o Estado brasileiro – e não apenas este ou aquele governo – segue invariavelmente a regra dos dois pesos e duas medidas. A presidente da República corre o sério risco de passar à História como seguidora da máxima: Façam o que eu digo, mas não o que faço!


Em 24 de novembro de 2010, o Brasil foi condenado por unanimidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em razão de crimes de Estado cometidos durante a chamada “Guerrilha do Araguaia”. Até agora, passados cinco meses dessa decisão internacional, nenhum dos nossos (mal chamados) Poderes Públicos fez um gesto sequer para iniciar a execução dessa sentença condenatória. Ressalte-se que, além de declarar que a decisão do Supremo Tribunal Federal de admitir a anistia dos torturadores e assassinos do regime militar “carece de efeitos jurídicos”, a Corte Interamericana de Direitos Humanos exigiu, entre outras medidas, que se implementasse um curso “obrigatório e permanente de direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas”. Escusa dizer que tal curso não pode ser coordenado nem pelo Sr. Nelson Jobim nem pelo deputado Jair Bolsonaro.


Pior ainda. Inconformado com a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que mandou suspender as obras de construção da Usina de Belo Monte, em razão do desrespeito aos direitos fundamentais dos indígenas que de lá foram expulsos, o governo da presidente Dilma Roussef, amuado, resolveu retirar a candidatura do ex-ministro Paulo de Tarso Vannuchi para ocupar justamente o posto de membro daquela Comissão, em substituição a Paulo Sérgio Pinheiro. Ou seja, “já que é assim, não brinco mais”.


Para dizer a verdade, essa duplicidade do Estado brasileiro em matéria de direitos humanos – o que se faz aqui dentro nada tem a ver com o que se prega lá fora – não é de hoje.


Durante todo o período imperial, a escravidão de africanos e seus descendentes tinha duas faces: uma civilizada e benigna perante os europeus civilizados, outra brutal e irresponsável cá dentro.


Em 1831 o governo do Regente Diogo Feijó promulgou uma lei que submetia a processo-crime por pirataria e contrabando, não só os traficantes de escravos africanos, mas também os seus importadores no território nacional. A mesma lei determinou que os africanos aqui desembarcados seriam de pleno direito considerados livres. No entanto, até 1850, como denunciou o grande advogado negro Luiz Gama, “os carregamentos eram desembarcados publicamente, em pontos escolhidos das costas do Brasil, diante das fortalezas, à vista da polícia, sem recato nem mistério; eram os africanos, sem embaraço algum, levados pelas estradas, vendidos nas povoações, nas fazendas, e batizados como escravos pelos reverendos, pelos escrupulosos párocos”.


Na verdade, a Lei Eusébio de Queiroz de 1850, que extinguiu efetivamente o tráfico negreiro, só foi aplicada porque a armada inglesa, autorizada pelo Bill Aberdeen de 1845, passou a apresar os barcos negreiros, até mesmo dentro dos nossos portos.


Pois bem, uma vez extinto o comércio infame de seres humanos, o governo imperial passou a sofrer a pressão internacional para abolir a escravidão. Na conferência de Paris de 1867, convocada para tratar do assunto, as nossas autoridades não hesitaram em declarar que “os escravos são tratados com humanidade e são em geral bem alojados e alimentados… O seu trabalho é hoje moderado… ao entardecer e às noites eles repousam, praticam a religião ou vários divertimentos”. Só faltou dizer que os brancos pobres se acotovelavam na entrada das fazendas, para serem admitidos como escravos…


Como combater essa duplicidade de conduta tradicional entre nós, em matéria de direitos humanos?


Só há uma maneira: denunciar abertamente os verdadeiros autores desses crimes, perante o único juiz legítimo, que é o povo brasileiro.


É indispensável, antes de mais nada, mostrar que essa reprovável duplicidade de caráter é um defeito específico das falsas elites que compõem a nossa oligarquia.


É preciso, porém, fazer essa denúncia diretamente perante o povo, pois em uma democracia autêntica é ele, não os governantes eleitos, quem deve exercer a soberania.


Acontece que, numa sociedade de massas, uma denúncia dessas há de ser feita, necessariamente, através dos meios de comunicação de massas. Ora, há muito tempo estes se acham submetidos à dominação de um oligopólio empresarial, cujos membros integram o núcleo oligárquico, que controla o Estado brasileiro.


Chegamos, assim, à raiz de todas as formas de duplicidade que embaralham a vida pública neste país: tudo é feito em nome do povo, mas este é impedido de tomar qualquer decisão por si mesmo. O soberano constitucional acha-se em estado de permanente tutela.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O Ócio como Combustível




Longe de mim fazer apologia a exploração do homem pelo homem.

Mas é verdade, e os senhores não podem negar, que para produzir se faz necessário tempo.
Vide a Grécia antiga, com seus cidadãos que tanto avançaram em sua curta civilização, retirando com simplicidade a humanidade da completa escuridão, deixando naturalmente muita coisa por fazer e por pensar.

Olhando para trás percebemos que incontáveis homens (e mulheres) dedicaram grande parte de sua vida ao desenvolvimento e ao conhecimento. Essas pessoas que contribuíram, forçando os limites impostos às suas circunstâncias, tinham algo em comum. Além de estarem motivadas, quase que compelidas a extrapolar, elas empenharam o seu TEMPO nesta prática. E isso fez toda a diferença.

Na atualidade o tempo deixa de ser do homem e vira objeto de um sistema que faz questão preenchê-lo. De várias maneiras estamos sempre "participando" de alguma coisa extremamente interessante ou importante.
A lacuna do processo se apresenta na hora da famosa interação, tão em moda quanto esquecida. Simplesmente não participamos em absolutamente nada, somos na esmagadora maioria das situações meros espectadores.
É preciso dedicação ao ócio contemplativo, reservar um espaço para a mente divagar, se interessar, questionar, se admirar, para a razão atuar.

As instituições e as formas de poder ocupam a razão lentamente, dia após dia, sendo impossível evitar o contato. Todos sofrem influência. Tomem por exemplo uma criança. Com quantas horas de programação televisionada a criança chega ao seu primeiro dia de aula? Será que o professor do primário é o primeiro a incutir valores na mente deste novo ser?
A programação e os padrões não são ruins de todo. Só não devem ser a força que determina a ação do homem. Caso aconteça não há sequer liberdade.

Deixemos a preciosa liberdade de lado, ela não é objeto desta reflexão, e voltemos ao Ócio.

O Ócio é portanto a coisa mais importante que um sujeito pensante deve almejar.
É no momento de contemplação e análise que se encontra respostas.

Saudações cordiais,
O Estudante.

Créditos da Imagem http://www.mymodernmet.com/ Sempre deixando nosso blog mais bonito

domingo, 10 de abril de 2011

Um aviso e um chamado







Se você habituou-se ao mundo, ao ponto de não se surpreender mais, não acesse o Rizoma. Mas se és ousado para se lançar rumo aos limites da linguagem e da existência, vamos juntos refazer alguns passos que foram dados na tentativa de diminuir as nossas inquietações.


Primeiro passo: Alguém que ama o conhecimento sabe muito bem que sabe muito pouco.

Segundo passo: Você conseguiria ter paz e viver repetindo coisas que no fundo do seu coração acha que não são certas?

Terceiro passo: Estamos diante de questões importantes para as quais não é fácil encontrar respostas adequadas

Neste ponto vamos a algumas perguntas que nos afligem a muito tempo.

"O homem é a medida de todas as coisas" disse o sofista Protágoras - 487 - 420 a.c.

Existe algum sentimento natural? 

Será possível conhecermos a nós mesmos? (Oráculo de Delfos)

Quer mais?

Quem vem em primeiro lugar a mente ou a linguagem?

Mais? 

Palavras como política, democracia, economia, historia, física, matemática, teologia, filosofia, ética, psicologia, teoria, método, ideia, sistemas e outras coisas, surgiram na Grécia há mais ou menos dois mil e quinhentos anos.


Saudações Cordiais,
O Psiquiatra.


PS: Fiquem a vontade para comentar, perguntar ou iniciar uma reflexão. Afinal o Rizoma só acontece se conseguirmos unir várias pessoas.


Créditos da imagem: mymodernmet.com

domingo, 27 de março de 2011

Pensar é um ato de violência



Como e porquê as vezes, sem motivo aparente, surge uma nova ideia na nossa mente?

A ideia simplesmente explode com uma clareza de detalhes que mais parece que sempre esteve por ali, como se fora plantada, inserida, talvez inundada por nosso sub-consciente, talvez uma releitura de algo visto em uma de nossas experiências cotidianas, uma realização ou um trauma, algo forte ou banal. 
Nunca me preocupei da maneira de como as ideias surgem em nosso pensar. 
Alguns filósofos ao longo da história viram a razão como uma faculdade inata do ser humano, algo que o diferencia dos outros animais. O ponto de corte entre besta e ser pensante, é portanto pensar. Mas isso explica como separamos e classificamos os seres, e não como a ideia surge. 
Gilles Deleuze, entende que a criação de uma ideia nova é um ato de violência, demanda coragem e comprometimento, é como pular de um abismo, você têm duas opções; uma é mais confortável e normalmente é escolhida por nós. Não pular é a conformidade e a utilização de ideias prontas, coisas que dão certo tendem a dar certo. 
Como num círculo virtuoso. Repetimos conceitos e verdades estranhas a nossa experiência, pelo simples fato de terem sempre dado certo. Correndo portanto o risco de, as vezes, aplicar uma solução igual a problemas diferentes. 
A outra maneira é abrir mão da segurança dos nossos pressupostos, o que é realmente perigoso e pode ser comparado ao mergulho no desconhecido. 
A nova ideia, o NOVO, pode levar-nos para um lugar que nos separe dos nossos semelhantes, pode trazer uma visão completamente diferente da maneira como encaramos nossas circunstâncias. E como na caixa de pandora ou no fruto proibido, uma vez aberto ou provado é impossível voltar atrás. 
Aquele que realiza este tipo de experiência nunca será mais o mesmo, aliás, o objeto analisado também não o será. A releitura por si só modifica a ideia, vistas sob nova ótica são ideias novas.

O importante disso tudo é sabermos que temos escolha. O tempo todo estamos diante de dúvidas, e precisamos optar pelas quais aceitaremos como verdade e quais serão inquiridas por nossa razão. Simples escolha, que infelizmente nunca foi feita por tantas pessoas e que ainda terão milhares que nunca farão.

Um ótimo dia a todos, uma excelente caminhada e uma busca cheia de surpresas.

Saudações Cordiais,
O Estudante.

*Imagem retirada de http://www.mymodernmet.com/ feita por Evan Demianczyk.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Amorim, Líbia e Irã



Rice falava com Amorim sobre a ONU, mas não em público


O Efeito Rizoma republica entrevistas (Saiu no Conversa Afiada) do ex-chanceler Celso Amorim à BBC. 
O que Obama poderia ter feito aqui? O que nós ganharíamos com isso?
Entenda o posicionamento do Brasil face aos recentes embates diplomáticos. Irã, Líbia e ONU.

Obama ‘perdeu oportunidade’ ao não dar apoio explícito ao Brasil, diz Amorim


Júlia Dias Carneiro


Da BBC Brasil no Rio de Janeiro


O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, “perdeu uma grande oportunidade” em sua visita ao Brasil ao não dar apoio explícito ao ingresso do país no Conselho de Segurança da ONU, na opinião do embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores.


“Ele teria criado uma aliança mais sólida e isso teria contribuído para uma relação de confiança profunda”, disse Amorim à BBC Brasil, afirmando que agora “vai continuar tudo como estava”.


Para Amorim, se os Estados Unidos estão preocupados com a crescente presença comercial da China no Brasil, o país deve tomar medidas concretas para abrir seu mercado a produtos brasileiros – como o etanol – e reduzir o desequilíbrio comercial nas relações bilaterais.


“É desta maneira que você neutraliza a influência dos outros”, diz Amorim. “O Brasil tem o maior superavit comercial com a China. O maior deficit comercial é com os Estados Unidos”.


Ministro das Relações Exteriores durante os oito anos do governo Lula, Amorim recebeu a BBC Brasil em seu apartamento em Copacabana, na Avenida Atlântica, onde já organizou seus livros, gravatas e a coleção de obras de arte e esculturas de diversos países que acumulou durante a carreira diplomática.


Ele agora divide seu tempo entre Rio de Janeiro, Brasília e os convites internacionais que recebe, como o que o levará a Washington nesta sexta-feira para uma palestra.


O embaixador se diz muito satisfeito “por ter sido ministro de um governo que transformou o Brasil”, e vem recebendo convites “para falar na Harvard ou falar na UNE (União Nacional dos Estudantes)”. “Pretendo atender aos dois”, diz o embaixador.


Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


BBC Brasil – O senhor escreveu um artigo para a revista Foreign Policy antes da visita de Obama dizendo que seria uma decepção se ele não aproveitasse a ocasião para apoiar concretamente a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Ele veio e manifestou apenas “apreço” pelo pleito do Brasil. O senhor está decepcionado?


Celso Amorim – Acho que a democracia brasileira fez o que pôde. Não sei nem se eu teria conseguido tanto. A Condoleezza (Rice, Secretária de Estado durante o governo George W. Bush) várias vezes conversou comigo sobre o assunto, mas ele nunca tinha figurado num comunicado conjunto. Isso é um avanço.


Agora, quando se compara com o que os americanos fizeram em relação à Índia, evidentemente é decepcionante. Qual é o sinal que os Estados Unidos estão dando? Qual é a diferença fundamental entre Brasil e Índia?


A Índia é mais populosa que o Brasil, mas o Brasil em compensação tem três vezes o território indiano. Ambos são democracias estáveis, com influência regional. A diferença fundamental é que a Índia tem bomba atômica e o Brasil não tem. Como você pode ser ao mesmo tempo a favor da não proliferação (de armas nucleares), e, no caso de dois países que são razoavelmente comparáveis, apoiar um país e não apoiar o outro?


Para falar a verdade, não vou dizer que eu fiquei decepcionado porque eu não tinha grandes expectativas de que Obama viesse a fazer isso. Mas acho que, do ponto de vista norte-americano, ele perdeu uma grande oportunidade. Os EUA continuam imbuídos daquela visão de hemisfério. Traduzido em bom português, hemisfério, no fundo, é o quintal. E no quintal você tem que tratar todos mais ou menos igual.


O fato de ele não entender que o Brasil tem hoje um trânsito internacional mundial… Isso você vê na opinião das outras pessoas. Por que convidaram a mim e uma semana depois ao presidente Lula para falar na Al-Jazeera? Quando isso acontecia antes? O Brasil está ali, é tido como um exemplo.


BBC Brasil – Mas quais oportunidades o senhor acha que Obama perdeu em sua visita?


Amorim – A grande coisa que ele podia ter feito era dar um apoio explícito e claro ao Brasil. Um reconhecimento de que o Brasil pode contribuir no mundo. Ele teria criado uma aliança mais sólida, e isso teria contribuído para uma relação de confiança profunda. Essa coisa assim, com a xícara meio cheia, meio vazia… Vai continuar tudo como estava.


O Obama simbolicamente é um presidente muito importante, porque é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Tem um apelo natural para a população brasileira, o que é bom. Antes da visita, analistas americanos diziam que essa era grande coisa que ele poderia fazer, uma vez que na área comercial os avanços seriam limitados.


Os EUA estão vivendo um momento de dúvida sobre o próprio poder. Mesmo na questão da Líbia, apesar de estarem engajados, há dúvida de quem está liderando.


Os EUA precisarão de outros países, precisarão discutir mais. Você não pode pensar que a pluralidade no mundo se obtém pela terceirização. “Ah, você faz isso, mas faz do jeito que eu quero.” Não. “Você faz isso, então vou ter que levar em conta a sua opinião.” É uma realidade diferente, e países como o Brasil, a Turquia, a Índia, totalmente diversos, podem atuar. Então, acho que ele perdeu essa oportunidade.


BBC Brasil – Em abril, a presidente Dilma Rousseff faz sua primeira visita de Estado à China. Há notícia de que os Estados Unidos se preocupam com a crescente influência da China na América Latina e nos países africanos. Como o Brasil se encaixa nesse contexto?


Amorim – Se os Estados Unidos estão preocupados com isso, podia ter feito duas coisas: uma é apoiar o Brasil para o Conselho de Segurança. Outra é abrir o mercado de etanol. Porque é dessa maneira que você neutraliza a influência dos outros. Não é só ficar preocupado em teoria.


As pessoas criticam que o nosso comércio com a China não é bom do ponto de vista qualitativo. Mas o Brasil tem, como país individual, o maior superavit comercial com a China. O maior deficit comercial é com os Estados Unidos.


Quando dizem que a bola está no nosso campo, eu discordo totalmente. A bola ainda está do lado dos americanos, eles é que têm que fazer os gestos que resultem numa mudança. Eles que abram os seus mercados, não como a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) queria fazer – porque ia abrir muito parcialmente o mercado americano e fazia exigências tremendas.


BBC Brasil – O Brasil exporta principalmente commodities para a China, e importa manufaturados. Há uma grita em setores da indústria brasileira, que se sentem prejudicados pela entrada de produtos chineses…


Amorim – Primeiro, é preciso reconhecer que, quando falamos de commodities hoje, não é como no início do século 20, quando eram produtos de baixíssimo valor agregado. Seja no agronegócio, no etanol, em outros produtos, há um alto grau de pesquisa tecnológica agregado ali.


Mas veja bem. Os grandes deficits comerciais que o Brasil tem hoje não são com a China, são com os países desenvolvidos, os países produtores de manufaturados, EUA, Alemanha… O maior deficit que o Brasil tem é com os EUA, de quase US$ 10 bilhões. E o maior superávit que os EUA tem no mundo é com o Brasil.


Se eles querem mudar a relação, o que tem que ser reformado é por aí. Facilitar a importação do etanol brasileiro, concluir a Rodada de Doha. Com isso, ele nos conquistaria no bom sentido. Ainda que a China esteja comprando commodities, a gente precisa vender para sustentar o nível de vida que se alcançou no Brasil. Se ele (Obama) não faz isso, aí não pode evitar que a influência chinesa aumente.





Veja também como Celso olha para o Oriente Médio e vislumbra falhas estruturais na Pax Americana.

Para Amorim, é preciso diálogo para ter influência sobre Irã


Júlia Dias Carneiro


Da BBC Brasil no Rio de Janeiro


O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim acredita que o diálogo é a única maneira de influenciar o Irã, acusado por parte da comunidade internacional de violar direitos humanos e buscar desenvolver armas nucleares.


“Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo”, disse Amorim em entrevista à BBC Brasil, afirmando que não é possível “bater forte e dialogar ao mesmo tempo”.


O embaixador afirmou ainda que a aproximação com o Irã durante o governo Lula possibilitou que o Brasil intercedesse em casos como o de Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, e da francesa Clotilde Reiss, acusada de espionagem no país.


Ministro das Relações Exteriores durante os dois mandatos de Lula, Amorim recebeu a BBC Brasil em seu apartamento em Copacabana na última quarta-feira, um dia antes de o Brasil ter votado a favor da nomeação de um relator da ONU para investigar a situação de direitos humanos no Irã.


O voto favorável no Conselho de Direitos Humanos da ONU sinalizou uma mudança na posição do Brasil, que até então vinha se abstendo em decisões sobre o Irã.


Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


BBC Brasil – A presidente Dilma Rousseff deu sinais de que será mais dura na defesa de direitos humanos nos países com que o Brasil se relaciona. Antes de assumir o mandato, ela mostrou posição diferente da do presidente Lula ao falar sobre direitos humanos no Irã…


Celso Amorim – A manifestação dela nem foi sobre o Irã, foi específica sobre a situação daquela senhora, a Sakineh (Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento no Irã). Queira Deus que a situação dela melhore e que ela possa ser libertada. Não sei o que influiu no fato de ela não ter sido assassinada até hoje. Mas se teve uma coisa que contribuiu, foi o pedido do presidente Lula. Não terá sido a única.


Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo. Nós defendemos os direitos humanos ativamente. Atuamos em várias situações evitando agravamentos, inclusive ajudando a soltar pessoas. Outro dia, o presidente da sociedade baha’i me agradeceu porque fizemos gestões fortes em favor de baha’is condenados à morte.


Nós tínhamos condições de fazer essas gestões. Se estivéssemos permanentemente condenando o Irã, sei lá se eles teriam resolvido atender a um pedido nosso.


Eu tinha liberdade para pegar o telefone, como fiz, para falar com o ministro sobre a questão da Sakineh (…). Soltamos a (professora) francesa Clotilde Reiss – e foi o Brasil, não há a menor dúvida.


Como conseguir isso se se assume uma postura só de condenação? Você tem que optar. Não dá para fazer as duas. Acho que o presidente (francês Nicolas) Sarkozy tentou fazer as duas, bater forte e dialogar ao mesmo tempo. Os iranianos não dialogaram.


BBC Brasil – A imprensa procura ressaltar as diferenças entre os governos de Dilma e Lula. Há uma continuidade na política externa do governo Dilma, ou ela está tomando rumos próprios?


Amorim – É bom que tome rumos próprios. Cada pessoa é uma pessoa, cada momento é um momento. O momento é da Dilma. Há continuidade nas linhas básicas, mas cada situação é uma situação. À medida que o Brasil se torna maior, ele não vai ter menos problemas, vai ter mais problemas. Os momentos variam, a sensibilidade pode variar em relação à maneira de fazer determinada coisa, e cada um fará a seu modo, isso é natural.


Mas acho que em grande parte o desejo da imprensa de fazer uma separação é porque ela nunca aceitou o Lula. A verdade é essa. Nunca aceitou nossas atitudes independentes. Quando fomos à Síria a primeira vez, fui perguntado: “Mas vocês perguntaram a Washington se podia?” É achar que o Brasil tem que ser pequeno, caudatário.


Nessa questão de direitos humanos, é perfeitamente respeitável a opinião da presidenta, até pela sensibilidade pessoal que ela tem para isso. Eu nunca fui torturado, mas devo dizer que o presidente Lula foi preso e eu perdi meu lugar na Embrafilme porque autorizei um filme que tratava de tortura durante o governo militar.


Mas quando você lê a mídia brasileira, pegam isso para dizer que o Brasil não tem que se meter com o Irã, não tem que se meter com o Oriente Médio. Eles querem o Brasil pequenininho. No máximo cuidando um pouco aqui na região, sempre com uma postura agressiva em relação aos fracos e submissa em relação aos fortes.


Não é isso que queremos, e eu acho que a presidenta Dilma também não quer.


BBC Brasil – Como analista, como o senhor avalia as posições que o Brasil tomou em relação à Líbia, ao se abster no voto do estabelecimento de uma zona de exclusão aérea e ao pedir o cessar-fogo no país?


Amorim – Achei que foi um gesto correto, mas também corajoso, porque tomado na véspera da visita do presidente Obama. Havia a preocupação de proteger os civis. A tentação do lado ocidental é sempre agir com a força. A força às vezes tem que estar no horizonte, mas a melhor arma é aquela que você não precisa disparar.


Como você disparou, a zona de exclusão aérea já está gerando reação. Primeiro, está fazendo do próprio Khadafi um mártir, e mostrando que ele está liderando uma luta antiimperialista. A Liga Árabe apoiou, mas quem está lá é França, Estados Unidos, Itália dando apoio logístico, Reino Unido… Então é um grupo de países ocidentais bombardeando árabes e muçulmanos. Pelas reações que leio nos jornais, isso já está tendo efeito no resto do mundo árabe.


Acho que nesses casos a gente não pode procurar apenas satisfazer a nossa consciência moral. Sim, deve satisfazê-la, mas de uma maneira que obtenha resultados reais, que melhore a situação dos líbios. E não simplesmente ir para casa e dizer, dei um tiro no malvado. Você não sabe se o malvado matou mais dez por causa do tiro que você deu.


BBC Brasil – O senhor acredita que as revoluções no mundo árabe vão representar uma grande transformação na geopolítica do Oriente Médio?


Amorim – Eu acho que sim. O caso da Líbia hoje é muito dramático, por causa do uso da força e da repressão do governo. Mas a Líbia não é um país com grande influência no Oriente Médio. Tem mais influência na África, na verdade, porque financiou muita gente, deu apoio a Mandela.


Quem terá muita influência é o Egito. A maneira como as coisas caminharem no Egito terá uma grande influência no conjunto da região, principalmente na relação Israel-Palestina, que é o problema central. Essa mudança vai ter impacto no Oriente Médio e vai ter impacto no mundo. E é um fato novo.


Isso pode soar meio chocante, mas a Líbia de certa maneira veio a calhar para os países ocidentais. Porque até então todas as rebeliões importantes estavam se realizando contra regimes apoiados ostensivamente pelo Ocidente. Egito, Tunísia, Iêmen, Bahrein, onde há bases americanas.


Embora Khadafi fosse ultimamente cortejado pelos ocidentais por causa do petróleo e outros interesses, não se pode dizer que ele é um regime apoiado pelo Ocidente. A Líbia tirou as atenções dos outros países. Não estou dizendo que o Ocidente tenha provocado isso. Mas veio a calhar, e é uma situação que ainda por cima permite dizer que os países estão lutando pelos direitos humanos.


BBC Brasil – Os países do BRIC apresentaram voto alinhado nas Nações Unidas. Houve articulação política para tomar uma decisão conjunta?


Amorim – Eu não estou mais envolvido, não posso dizer o que efetivamente aconteceu. Mas certamente deve ter havido muita consulta entre eles. E certamente a posição de um pode ter influenciado a de outro. Acho que a posição da Alemanha também teve deve ter tido influência e tornou a nossa posição mais confortável.


BBC Brasil -A posição de abstenção do Brasil pode ser prejudicial ao pleito do país por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? O país não terá que tomar decisões mais firmes se for para o conselho?


Amorim – Fui muito perguntado sobre isso quando votamos contra a resolução do Irã. Ali era um caso diferente, porque tínhamos feito um esforço a partir do estímulo do Ocidente e recebemos uma reação que desconsiderou totalmente o que tínhamos feito. Tínhamos mesmo que votar contra.


Mas vou repetir o que eu disse na época: se para entrar no Conselho de Segurança for preciso dizer sim a tudo, é melhor não entrar. Aquilo é para você levar a sua percepção do mundo. E a percepção do Brasil é basicamente a de tentar, sempre que possível, resolver as situações com alguma negociação.


BBC Brasil – E qual é o papel que o Brasil desempenha nesse novo panorama no Oriente Médio?


Amorim – Acho que o Brasil tem uma oportunidade. Do ponto de vista da relação com esses países, tem uma contribuição a dar, sobretudo se souber dar com humildade. Não pode chegar lá dizendo como as coisas têm que ser, mas pode se abrir, mostrar como nós consolidamos a democracia no Brasil, como foi o processo de uma Constituinte no Brasil. Nós também cometemos erros, não estou dizendo que a nossa experiência é perfeita, mas a democracia no Brasil está consolidada.


Ao ajudar e aumentar nossa presença, isso fortalece vários aspectos. Desde que começamos a aproximação com os países árabes, em seis anos o comércio se multiplicou por quatro vezes. A gente sabia que a parte comercial é importante, mas você não pode querer buscar só defender os interesses comerciais. As coisas vêm num conjunto.